Quem sabe o que será no futuro?

Eu sou um entusiasta de novos modelos, tecnologias, formas de relacionar, pagar etc. Mas, confesso, tenho certas restrições a alguns temas. Isso se aplica desde fanfarrices que algumas pessoas têm a capacidade de chamar de arte a bobagens que certos indivíduos gostam de colocar como meios de pagamento.

 

Vamos voltar um pouco no tempo. Talvez alguns leitores não conheçam o que é considerada a primeira bolha especulativa que se tem notícia: http://ecommercenews.com.br/wp-content/plugins/sem-external-links/external.png) 100% 50% no-repeat;”>a crise das tulipas na Holanda. Resumidamente, essa crise foi um efeito de credibilidade que se deu sobre um “bem” que todos queriam ter. Naquela época, um bulbo de tulipa rara chegou a valer o mesmo que 24 toneladas de trigo! Isso na primeira metade do século 17, quando os métodos de produção eram absolutamente artesanais. 40 bulbos chegaram a valer 1.000 toneladas de manteiga. Essas situações, para a época, eram corriqueiras, então as famílias vendiam propriedades para investir em bulbos de tulipas. Uma verdadeira febre. No meio daquela euforia, em dado momento alguém se perguntou: qual era o real valor das tulipas? Então as pessoas perceberam que talvez não existisse tanto valor assim naqueles bulbos. Esse simples questionamento deflagrou uma crise de credibilidade instantânea e todo mundo se viu, no jargão do mercado de investimentos atual, biting the dust, ou seja, sem nada em mãos. Tinham bulbos “valiosíssimos”, mas não existiam mais os compradores, os incentivadores do mercado simplesmente sumiram. Famílias foram à ruína, cidades inteiras tiveram suas economias devastadas, bolsas balançaram, foi algo como a crise dos títulos sub-prime que até hoje, seis anos depois, tem marcas fortes em todas as economias globais, mesmo com a injeção de trilhões de dólares pelos países envolvidos.

Mas, por que alguém entendeu, em algum momento, que a tulipa seria tão valiosa? A resposta sempre esteve na procura: as pessoas viam a beleza depois do inverno. Da beleza veio o prazer em ter algo que poucos tinham e a consequência natural disso é o objeto de desejo ter valor. O crescimento do valor é gradativo e os investidores/especuladores sempre apostam que conseguirão convencer mais e mais pessoas a entrar no fantástico negócio das tulipas. Isso aumenta a demanda e, consequentemente, o preço (essa última é a lei imaculada no mercado). E o que toda essa história tem com o Bitcoin? Na minha humilde opinião, são assuntos siameses, nascidos da mesma receita de bolo.

O Bitcoin (BTC) informa ao mercado que ele é a primeira moeda virtual global não atrelada a nenhum pais, que não responde a nenhum órgão regulador e que obedece justamente à principal regra de todas: seu preço é determinado pela oferta x procura. Mas afinal, por que ele acredita que é uma moeda? O que é uma moeda? O que torna uma moeda digna de ser chamada de moeda?

São basicamente três fatores:

1 – Lastro – Sim o lastro. Você achou que a ideia de ouro tinha acabado? De certa forma ela acabou. A ideia do lastro em ouro é muito desigual porque países capazes de produzir mais ouro, ou de roubá-lo, seriam mais ricos… Ok, no passado foi assim. Mas não poderia continuar dessa forma. O lastro atual de uma moeda está diretamente ligado ao país que a emite. Se esse país é sério, tem boas políticas econômicas/industriais/agrícolas/serviços, respeita regras de mercado, contratos etc. Ou seja, tem fundamentos econômicos e instituições sólidas, então sua moeda tende a ser mais forte que a de países pouco responsáveis, com ambientes econômicos degradados – vide o caso de alguns de nossos vizinhos latino-americanos.

2 – Confiança – Se você não tiver confiança na moeda ela simplesmente deixará de existir, voltaremos ao escambo. Confiar que uma nota de R$100,00 em sua carteira possa valer algo é o que faz tê-la em sua carteira.

3 – Aceitação – Não adianta eu depositar confiança na moeda se ela não é aceita como forma de transferir riqueza pela maioria da sociedade.

E quais são as principais funções da moeda?

1 – Meio de troca: serviços por moeda e produtos por moeda.

2 – Forma de mensurar riqueza: o valor de um ativo/empresa por exemplo.

3 – Acúmulo: poder guardar algo para ser usado no futuro.

Então podemos desenhar um conceito livre de uma boa moeda como sendo de responsabilidade de um ente público responsável, que zele por algo que eu confio e que é aceito como forma de transferir riqueza em troca de bens ou serviços.

Agora vamos comparar com o Bitcoin

1- Lastro – Ele não tem, e, mais divertido ainda, você sabe como se acumula Bitcons (BTC)? Enquanto os países se preocupam com o volume e qualidade do meio circulante, segundo o tamanho de sua economia, mantendo a moeda em patamares estáveis, evitando uma enxurrada de dinheiro que a desvaloriza, o Bitcoin é conseguido através de computadores que ficam “minerando” bitcoins. É isso mesmo, um computador, dotado de um software especial plugado na rede e que fica o tempo todo processando transações dessa rede e tentando quebrar algoritmos para “ganhar” bitcoins. O sistema é engenhoso e quem comercializa a ideia gosta de comparar com minerar ouro, mas as diferenças são grotescas. A começar pelo meio, você precisa de um supercomputador, que, por aqui, pode custar dezenas de milhares de reais, adaptado para esse trabalho. Quem tem o dito computador, pluga na rede e fica ganhando alguma coisa o tempo todo. A base para criar riqueza está em ter um computador especial, plugado numa rede e que fica o tempo todo realizando operações de processamento. Muito longe do que acontece no lastro real.

2- Confiança – Nenhum pais reconhece o Bitcoin como moeda e poucos países reconhecem-no como moeda privada, ou seja, a capacidade de poder ser usado em trocas fica entre um grupo fechado de pessoas. E, mesmo esses países, não permitem que o Bitcoin seja usado como garantia de contratos, pagamentos de dívidas, etc. Por outro lado, existem muitos países que querem simplesmente proibir seu uso, tornando ilegal/inócua qualquer transação que envolva essa forma de pagamento.

3- Aceitação – Ainda são poucas as pessoas e empresas que aceitam tal pagamento, e, mesmo quem aceita, tem um movimento tão pequeno que o fato de aceitar é quase um ação de marketing.

Agora uma pergunta: você sabe quanto custa um Bitcoin? Tudo o que você ler sobre essa “moeda” vai apontar como sendo seu maior risco a grande volatilidade de sua cotação. Deve ser mesmo, uma moeda que já chegou a valer U$ 1.203,00 no final de 2013, hoje, meados de 2014, vale apenas cerca de U$ 400,00 demonstra quão forte é essa volatilidade. Alguns outros dados interessantes: (A) hoje são cerca de 13.300.000 BTC emitidos no mundo, o que perfaz um valor de aproximadamente U$ 5,5 bi em meio circulante. (B) são registradas menos de 100.000 BTC mudando de mãos a cada dia, se compararmos com a liquidez média das moedas globais temos BTC 0,7 % X Moedas Globais 40%; (C) 70% dos Bitcoins estão nas mãos de 0,1% do total de usuários registrados no sistema. Você pode encontrar muitos gráficos explicativos sobre o Bitcoin em www.blockchain.info

Tirando a questão aludida de ele ser de confiança justamente por não ter uma autoridade regulatória que o controle, fato esse que eu questiono fortemente, outro ponto que os defensores da moeda virtual defendem é justamente o pagamento de qualquer produto ou serviço em qualquer lugar do mundo. Pra mim, soa como mais uma promessa vaga. Hoje qualquer pessoa faz isso com o uso de um simples cartão de crédito, ou de uma plataforma de clearing global como Paypal, por exemplo.

Se vocês pesquisarem em portais, fóruns especializados, etc. Verão que boa parte das pessoas que usam o Bitcoin são aquelas que não querem declarar nenhuma movimentação financeira de entrada ou saída de capitais nos países pelos quais estão viajando ou se mudando; o que é crime fiscal e abre uma brecha muito grande para a lavagem de dinheiro. Aliás, esses dois pontos estão entre os principais fatores que justificam a aversão de diversos países à essa moda/moeda virtual.

Em suma, o Bitcoin é um clube privado de pessoas que aceita e acredita no valor de uma moeda que é minerada/acumulada por nerds com seus computadores superpoderosos e caros para vender a usuários que gostam de emoções fortes.

Apesar de todas as minhas brincadeiras e hipérboles sobre o BTC eu não posso deixar de declarar meu apoio a testes que levem ao desenvolvimento de formas mais eficientes, baratas e rápidas para realizar pagamentos virtuais. Se o caminho é a moeda virtual eu não sei, mas, seguramente, o modelo hoje estabelecido não me parece algo viável em longo prazo. Se estou enganado? Se é uma análise precipitada de uma moeda/moda que existe há apenas cinco anos? Se esqueci de analisar algum aspecto mais positivo e relevante? O tempo vai dizer.

fonte: http://ecommercenews.com.br/