O princípio de que, na corrida do ouro, quem vende pás e enxadas é quem ganha dinheiro norteou os investimentos massivos na Nvidia, que recebeu pedidos avassaladores nos últimos anos por seus chips voltados à inteligência artificial. No entanto, uma tecnologia desenvolvida na China coloca em xeque a demanda futura ao depender de uma capacidade de processamento muito menor que a de seus rivais americanos.
Por trás dessa inovação está a chinesa Deepseek, que, na semana passada, apresentou a última atualização de sua inteligência artificial, o DeepSeek-R1, de arquitetura aberta. O modelo tem demonstrado uma eficácia comparável à de empresas americanas como OpenAI (ChatGPT) e Google (Gemini), mas a um custo significativamente menor.
A possibilidade de que a inteligência artificial funcione com uma estrutura muito mais enxuta levantou dúvidas sobre as premissas de investidores para os retornos da Nvidia. Isso se refletiu em uma queda histórica de suas ações, que despencaram 17,5% nesta segunda-feira, 27 de janeiro. A desvalorização, de US$ 600 bilhões em valor de mercado, foi a maior já registrada em um único dia.
Antes da queda, as ações da Nvidia haviam acumulado 482% de alta desde 2022, quando a inteligência artificial ganhou tração, tornando a companhia a mais valiosa do mundo. Agora, com o recuo, a Nvidia caiu para a terceira posição. A TSMC, que fabrica seus chips, também sofreu, com queda de 13,29%.
“O consenso era de que a Nvidia dobraria sua receita neste ano, chegando a US$ 120 bilhões, e ultrapassaria a marca de US$ 200 bilhões até 2028. Estamos tentando entender como isso vai se comportar. Ninguém mais sabe ao certo como será a demanda por chips. Ainda é tudo muito recente”, afirma Enzo Pacheco, analista da Empiricus.
Com as sanções americanas limitando o fornecimento de chips para a China, o modelo da DeepSeek foi treinado com apenas 10 mil GPUs Nvidia. Empresas como OpenAI e Meta utilizam centenas de milhares. Estima-se que o orçamento para o treinamento do modelo chinês tenha sido de apenas US$ 5,6 milhões, contra bilhões de dólares investidos por concorrentes americanos.
Embora represente uma ameaça real ao negócio da Nvidia, Pacheco ressalta que a queda também foi intensificada pela forte presença da empresa nos principais índices de Nova York e pela concentração de investimentos em ETFs passivos, que replicam a composição desses índices.
“Essa estrutura retroalimentou a compra de ações da Nvidia. Agora que o mercado está pesado e quer sair, a porta de saída é pequena.” O índice Nasdaq, no qual a Nvidia tem a maior participação (8%), caiu 3,07%, enquanto o índice de volatilidade VIX disparou 20%.
“Alega-se que o DeepSeek-R1 tenha uma performance semelhante à de seus concorrentes americanos, mas com um custo de 90% a 95% menor. Isso questiona se as líderes americanas em inteligência artificial realmente precisavam de modelos baseados em GPUs tão avançadas, algo que não acreditamos ser o caso”, aponta o Citi em relatório.
O banco, contudo, pondera que uma eventual redução na infraestrutura necessária para inteligência artificial poderia impactar toda a cadeia, de empresas de energia a operadoras de data centers. “Esperamos uma forte demanda por data centers devido aos gastos com inteligência artificial e transformação digital, mas reconhecemos que uma queda repentina na demanda projetada representaria um risco significativo para as empresas desse setor.”
Nos Estados Unidos, uma das líderes em data centers, a Digital Realty Trust, viu suas ações caírem 8,73%, enquanto sua concorrente Equinix registrou queda de 4,33%. No setor de energia, a mais impactada foi a Constellation Energy, que havia firmado parcerias com empresas como Microsoft para abastecer data centers voltados à inteligência artificial. As ações da Constellation recuaram 20%.
Os efeitos sobre desenvolvedoras de modelos de linguagem, entretanto, foram mistos. A Microsoft caiu 2,14%, mas Amazon e Meta fecharam em alta de 0,24% e 1,91%, respectivamente.
Embora essas empresas já tenham feito encomendas bilionárias dos chips de nova geração da Nvidia, que ainda serão lançados, há expectativa de que se aproveitem da arquitetura aberta do DeepSeek para, em algum grau, reduzir seus custos.
Se até agora os investidores enxergavam os chips ultradesenvolvidos da Nvidia como os grandes vencedores da corrida pela inteligência artificial, a chegada de um modelo mais barato e eficiente pode transformar completamente o cenário, desafiando a lógica que sustentou anos de alta nas ações da Nvidia
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